Dossiê brutt: Imperial e Reapers respondem por homicídio culposo em função de más condições nas GH*

Defesa atestou que falta de salubridade e condições na Gaming House foram cruciais para o falecimento do jogador

por Filipe Carbone / 14 de Jan de 2021 - 15:40 / Capa: Arte/DRAFT5
* Atualizada às 15h45 (de Brasília) - A reportagem foi atualizada com as respostas enviadas pela Imperial

Últimas duas equipes defendidas por Matheus "brutt" Queiroz, Imperial Esports e Team Reapers são apontadas como as principais responsáveis pelo falecimento do jogador, em dezembro de 2019. Por isso, a defesa da família do atleta notificou a Polícia Civil sobre o caso, que a partir daí abriu um inquérito policial para que as organizações respondam por homicídio culposo em função das "condições insalubres e privações de alimentação" em que passou enquanto esteve nas Gaming Houses das respectivas equipes.

O terceiro episódio da série Dossiê Brutt traz documentos obtidos com exclusividade pela DRAFT5 que mostram a abertura de processo na 11ª Delegacia de Polícia Civil do Estado de São Paulo, em outubro do ano passado. Além das organizações, o advogado de defesa Helio Tadeu Brogna Coelho Zwicker também notificou a Global Legends Esportes Eletrônicos LTDA., um dos responsáveis pela organização e gerenciamento do Campeonato Brasileiro de Counter-Strike (CBCS), à Polícia Civil.

Além das empresas que estão respondendo ao processo, de acordo com os documentos, os respectivos sócios das organizações também são alvo do inquérito aberto na Polícia Civil. Entre eles, Gabriel Siqueira Hentz, sócio da Team Reapers, além de Felippe Martins da Silveira, Bruno Martins da Silveira e Emmanuil Gambini Inglesis, envolvidos na sociedade da Imperial Esports.

Foto: Reprodução/Polícia Civil


Assim como noticiado pelo Start, em abril do ano passado, Cristiane Fernandes Queiroz Coelho viu negligência por parte de ambas em relação à saúde de brutt, resultando no falecimento precoce do jovem prodígio. Por isso, o inquérito visa instaurar uma investigação para apurar as condições sobre à qual brutt foi colocado no período em que defendia as equipes durante o ano de 2019.

"Matheus Queiroz Coelho teria sido contratado para integrar a equipe de jogadores, onde submetido a condições insalubres e privações de alimentação, higiene e assistência à saúde, vindo a óbito, supostamente em decorrência da omissão dos empregadores Team Reapers, Imperial e Global Legends", diz o documento no qual a DRAFT5 teve acesso.

NOTÍCIA CRIME CONTRA A TEAM REAPERS


Na notícia crime apresentada pela defesa da mãe de brutt, o advogado ressalta a trajetória do jogador antes do falecimento, no dia 15 de dezembro de 2019. De acordo com ele, na apresentação do jogador à Team Reapers, ele "encontrava-se saudável e em perfeitas condições de saúde", além de ressaltar que o jogador não era portador da doença que provocou o óbito.

"Ocorre que, em meados de agosto de 2019, os atletas que residiam na Gaming House da empresa Team Reapers constataram que a água que lhes era servida, já havia algum tempo, tinha o gosto muito ruim e parecia não potável". O inquérito ainda indica que a situação foi passada para Gabriel "arddhu" Gastaldo, manager do time na época, e Gabriel Hentz, mas que "nada foi resolvido".

Segundo o documento, os jogadores conversavam por Whatsapp de que "o consumo da água lhes fazia mal", com alguns deles apresentando sintomas gastrointestinais, como dores de barriga, diarreia, regurgitação, além de outros sintomas semelhantes.

Um dos casos mais graves após estes episódios teria acontecido justamente com brutt. A defesa revelou que ele foi diagnosticado com esofagite (inflamação do esôfago) e gastroenterite (irritação e inflamação do tubo digestivo, como estômago e intestino). Além disso, teria sido nesta época em que brutt começou a apresentar fortes dores de cabeça, queixa frequente do jogador antes do falecimento.

"Embora a vítima tenha informado diversas vezes ao seu superior que não passava bem, pois sentia fortes dores de estômago, dores de barriga e dores de cabeça, Matheus foi orientado a procurar, sozinho, o pronto atendimento em unidade pública de saúde, já que a empresa, ao contrário do que havia prometido, não disponibilizou assistência média e, tampouco, subsidiava plano de saúde", diz o inquérito.

PERÍODO NA IMPERIAL E PARTIDA SEM CONDIÇÕES DE SAÚDE


Pouco depois de apresentar os primeiros sintomas do problema de saúde, brutt foi vendido para a Imperial, em novembro de 2019. O valor da transferência, segundo o documento, teria sido de R$ 25 mil, mas nenhum valor foi repassado ao jogador ou à família dele. Além disso, a vítima também não foi submetida a nenhum exame admissional para atestar o estado de saúde do atleta no momento da contratação.

A defesa da família de brutt ressalta que o jogador não recebeu nenhuma assistência médica no período em que defendeu a Imperial, tendo que procurar por hospitais públicos em São Paulo em diversas ocasiões, seja sozinho ou acompanhado de outros jogadores. O advogado também ressalta o agravamento da situação de saúde do jogador com treinos diários de até 12 horas.

Como se todos os problemas de saúde enfrentados por brutt não fossem o suficiente, a nova Gaming House em que ele estava alocado com os companheiros de equipe também passou a apresentar diversos tipos de problemas estruturais, fazendo com que os jogadores criassem um grupo com Felippe Martins para falar "sobre as más condições sob as quais os empregados estavam vivendo".

Em um áudio enviado pelo próprio Felipe Martins, ele revelou que nunca havia dormido na casa e que não sabia das condições: "Fui lá no dia do churrasco, no dia em que aluguei a casa, nunca tinha passado uma noite. E, cara, eu passei 12h na casa para não querer passar um dia lá nunca mais", disse na mensagem enviada por Whatsapp.

No inquérito aberto na Polícia Civil, o advogado que representa a família do jogador afirmou que brutt "experimentou o agravo de sua saúde sem assistência da empresa" mesmo no curto período de tempo vivido na Imperial. Apesar da falta de condições em função das dores, o documento revela que o atleta esteve presente no último jogo em que tirou a foto de capuz que ficou conhecida e marcada após ser revelado que ele atuou com fortes dores e pressão na cabeça, sendo liberado a atuar sem o headset.

"Nem mesmo a organizadora do evento, denominada Global Legends, que se comprometia a exigir dos times, por exemplo, o registro dos contratos dos jogadores, sequer chegou a fiscalizar a saúde de Matheus antes de subir na arena para competir e experimentar a altas doses de adrenalina", apontou o inquérito.

brutt em ação no CBCS pela última vez e com a toalha relatada na nuca | Foto: CBCS

O ESTADO DE SAÚDE DE BRUTT


Após a última partida de brutt, Cristiane Queiroz foi até São Paulo para conseguir ter acesso mais fácil e saber o real estado de saúde do jogador. Entretanto, a defesa relata que, quando ela chegou na Gaming House, "encontrou o filho largado na cama, desassistido, mal alimentado e sem descanso, com olheiras profundas". A mesma afirmação foi dada pela mãe do atleta na reportagem à Start.

Apesar da ida de brutt ao médico recentemente, os medicamentos prescritos para o jogador não foram comprados pela falta de condição financeira em que ele se encontrava e sem conseguir se levantar da cama. Com isso, Cristiane optou por trazer o jogador ao Rio de Janeiro, onde ele foi internado nos hospitais Alberto Torres e, em seguida, no Pedro Ernesto.

Com o tratamento tardio da doença, a defesa revela que os tratamentos submetidos no hospital foram ineficazes, resultando no óbito do jogador. A tomografia realizada apontou que ele tinha mais de 30 lesões cerebrais oriundas da infecção. Entre as causas, o advogado ressalta os seguintes pontos primordiais para a rápida infecção:

  • Falta de estrutura dos imóveis;

  • Água aparentemente não potável;

  • Falta de condições adequadas de salubridade;

  • Falta de alimentos adequados e balanceados à nutrição dos atletas;

  • Falta de descanso;

  • Falta de exame admissional e periódico;

  • Falta de assistência das empresas.


OMISSÃO DAS EMPRESAS


Na notícia crime, a defesa da família de brutt ressalta a lei no tratante da obrigação que o empregador tem de cumprir as normas de higiene e segurança do trabalho. Por isso, afirma que "omissão das empresas quanto a imposição legal de cumprimento rigoroso às normas de prevenção e segurança de saúde do trabalhador, parece penalmente relevante".

Apontando as organizações e empresas como uma das responsáveis pela falta de cuidados de saúde, o advogado da família ressalta que "provavelmente o resultado poderia ter sido evitado". Por isso, revela que a omissão referente ao estado de brutt configura o crime como homicídio culposo - quando não há intenção de matar, onde a pena é a detenção de um a três anos.

"As provas carreadas revelam que ambas as empresas, na pessoa de seus sócios, a despeito das obrigações impostas pela lei (...) deveriam e podiam agir para evitar o resultado, mas não o fizeram. Ao contrário, impunham obrigações ao atleta que o levaram à exaustão de modo que sua energia foi consumida sem a possibilidade de recuperação".

O QUE DIZEM OS RESPONSÁVEIS


Procurada pela DRAFT5, a Team Reapers não se manifestou sobre o assunto. Citada nos documentos, a Global Legends respondeu na noite da última segunda-feira (11) afirmando que "tem ciência das ações que estão sendo movidas pela família do jogador". Veja na íntegra abaixo:

"A Global Legends informa que, quando há queixa de um jogador - seja por desconforto ou problema de saúde - a organização do campeonato aciona imediatamente o responsável pelo time com a finalidade de entender a gravidade da situação e analisar o que pode ser feito. Tudo é feito em conjunto com a equipe. Sobre as questões específicas ao jogador, na época o mesmo fazia parte da Imperial e não fomos notificados de qualquer reclamação por parte dele ou da equipe durante o confronto contra a antiga Uppercut, no dia 29 de novembro de 2019, mas sim no dia 02 de dezembro de 2019, semana seguinte a esse confronto. No dia 05 de dezembro de 2019, data que a Imperial enfrentou a antiga Skullz, o jogador já havia sido afastado pela equipe para realizar os exames".

Já a Imperial, quando questionada se teve conhecimento do inquérito policitado aberto, afirmou que "não só teve ciência, como os seus sócios já prestaram depoimento para a autoridade policial, apresentando mais de 80 documentos probatórios ao investigador".

Ao ser perguntanda se brutt fez algum exame antes de iniciar na organização, o clube disse que "o atleta Matheus Queiroz ficou sob a responsabilidade direta da imperial por apenas 23 dias. Não realizou exame admissional, uma vez que se tratava de pretenso vínculo de prestação de serviço, o que dispensaria tal obrigatoriedade",

A organização se posicionou sobre acusações de ter proporcionado gaming house em condição insalubre e com falta de alimentos deixando claro que "comprovou tanto no processo como no inquérito, que no mês de novembro de 2019, a empresa gastou R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais com compras mercado), para uma residência que habitavam somente 6 pessoas (5 jogadores e um técnico). Sobre as condições insalubres da residência, tal situação nunca existiu. Se tratava de uma casa de classe média alta, com valor de locação aproximado de R$ 6.000,00 reais, que contava com comodidades como cozinheira e faxineira para os atletas".

A Imperial ainda enviou à reportagem um vídeo que mostra as condições da casa. Veja abaixo:

Quanto aos áudios enviados por Felippe Martins ao grupo de reclamações, nos quais o executivo "admitiu as más condições da casa", a Imperial se posicionou afirmando que, "em nenhum momento, houve admissão de qualquer condição. A casa gozava de excelentes condições. Importante ressaltar que do dia 30/11/2019 à 01/12/2019, a Mãe do Jogador Matheus Coelho dormiu na Game House da Imperial, sem ter realizado qualquer reclamação de qualquer natureza para a diretoria da imperial, ou ainda no grupo dos pais dos atletas, a qual fazia parte".

* Com a colaboração de Gabriel Melo
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