Dossiê brutt: Somadas, indenizações pedidas por família do jogador à Imperial e Reapers chegam a quase R$ 1 milhão*

Esta é a primeira das três matérias produzidas pela DRAFT5 com base nos documentos referentes aos processos obtidos pela reportagem

por Gabriel Melo / 14 de Jan de 2021 - 16:00 / Capa: Arte/DRAFT5
* Atualizada às 16h (de Brasília) com as respostas enviadas pela Imperial

Cristiane Queiroz, mãe de Matheus “brutt” Queiroz, e os familiares do jogador estão movendo ações trabalhistas contra Imperial eSports e Team Reapers pela morte do atleta em 15 de dezembro de 2019. São dois processos individuais e outros dois coletivos, que pedem indenizações totalizando R$ 936.106,65

Esta é a primeira das três matérias do Dossiê brutt produzido pela DRAFT5 com base nos documentos referentes aos processos que a família do jogador esta movendo na justiça, os quais foram obtidos pela reportagem.

São quatro processos ao todo. Dois deles, abertos em setembro, buscam respectivamente os pagamentos R$ 6.626,56 da Reapers e R$ 9.480,09 da Imperial por erros cometidos pelos clubes quanto a aquisição do jogador e obrigações trabalhistas.

Os outros dois foram iniciados em outubro e pedem indenizações de “danos morais reflexos” por supostas más-condições de trabalho oferecidas pelas organizações a brutt. Ambos são no valor de R$ 460 mil. Todas as ações são movidas pelo advogado Helio Tadeu Brogna Coelho Zwicker.

A intenção de judicializar aquele que ficou conhecido como “Caso brutt” foi revelado pelo advogado da mãe do jogador ao START UOL e ge em abril de 2020. “Essas empresas têm responsabilidade, em tese, pela negligência sucedida por eventos que podem ter levado à morte de brutt”, comentou o advogado na época para o START.

Jogadores prestando homenagem a brutt na final do CBCS | Divulgação/CBCS

PROCESSOS CONTRA REAPERS


brutt vestiu a camisa da Reapers de 3 de dezembro de 2018 até 10 de novembro de 2019 e, no processo referente às obrigações trabalhistas, a mãe do jogador requer que seja reconhecido vínculo de emprego no período entre 22 de janeiro de 2019 até 6 de novembro de 2019, considerando-se “unicidade contratual”.

Também são pedidos a assinatura de carteira de trabalho do jogador com o cargo de atleta profissional de CS e salário de R$ 1,2 mil; pagamentos de verbas rescisórias referentes a saldo de salário, férias proporcionais, salário proporcional, recolhimentos do FGTS durante todo o período, multas dos artigos 467 e 477 da CLT e recolhimentos previdenciários.

Gabriel Siqueira Hentz é a pessoa contra a qual a mãe de brutt move os processos referentes a Reapers, que, em junho congelou os investimentos que faz nos esportes eletrônicos em decorrência aos danos financeiros causados pela pandemia do novo coronavírus

No processo, o proprietário da Reapers ainda é acusado de ter "fraudulentamente" extinguido, “voluntariamente” a organização logo após a morte de brutt, “quando tomou conhecimento da causa do óbito e da polêmica que havia sido instaurada em seu nome pelas más condições do ambiente de trabalho que proporcionava aos seus empregados”.

E é por isto que a mãe de brutt solicita que Gabriel Hentz seja “condenado solidariamente” em conformidade com o parágrafo único do Art 10-A da CLT, a qual diz que “o sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato”.

 

Reprodução


A segunda ação, referente aos “danos morais reflexos”, àquele sofrido pelas pessoas intimamente ligadas à vítima direta do evento danoso, requer indenizações não só para a mãe de brutt, mas também para outros quatro familiares do jogador. 

Nesta, são listados oito fatores que, supostamente, contribuíram para a morte de brutt

  • Falta de estrutura do imóvel onde residia e treinava para as competições;

  • Água não era potável;

  • Falta de condições adequadas de salubridade;

  • Falta de alimentos adequados e balanceados à nutrição dos atletas;

  • Falta de descanso da vítima, que passava 24 horas na gaming house sob as ordens da ré;

  • Uso excessivo de headset;

  • Falta de exame admissional, demissional ou periódico;

  • Falta de assistência da empregadora, especialmente pela ausência de convênio médico que havia sido prometido na contratação do atleta.


Por conta disto, a mãe de brutt requer a indenização de até 50 vezes a remuneração do jogador, ou seja, R$ 100 mil para cada um dos membros da família, sendo pedido assim R$ 400 mil ao todo. Os outros R$ 60 mil são referentes aos honorários advocatícios.

PROCESSOS CONTRA IMPERIAL


brutt foi anunciado como novo jogador da Imperial em 11 de novembro de 2019, sendo adquirido por R$ 25 mil de acordo com a ação trabalhista movida contra a organização. Nesta, requere-se também o reconhecimento do vínculo de emprego durante o período de 6 de novembro de 2019 à 15 de dezembro do mesmo ano, além da assinatura na CTPS com o cargo de jogador profissional de CS e salário de R$ 2 mil.

Pede-se ainda pagamentos de verbas rescisórias referentes a salário atrasado (11/2019), saldo de salário (12/2019), férias proporcionais, 13° salário proporcional e recolhimento do FGTS. Também são requeridas a emissão das guias do seguro desemprego e do termo de rescisão de contrato de trabalho; aplicações de multas nos artigos 467 e 477 da CLT, além de recolhimentos fiscais e previdenciários.

 

Reprodução


Na outra ação que move contra a Imperial, são pedidas indenizações para mãe de brutt e outros três por "danos morais reflexos". São listados os mesmos fatores presentes no processo da Reapers, assim como os valores: R$ 400 mil para a família e R$ 60 mil para pagamentos dos honorários advocatícios.

AUDIÊNCIAS


Duas audiências públicas já foram realizadas no Ministério Público do Trabalho (MPT). Uma com a Team Reapers, no dia 4 de setembro de 2020, e outra com a Imperial, em 13 de novembro de 2020, a última por videoconferência.

Gabriel Henz deixou claro na audiência que Reapers e Imperial são organizações distintas e que a única relação entre as duas foi a venda de brutt por R$ 25 mil em três parcelas:uma de R$ 15 mil e duas de R$ 5 mil, com a última sendo repassada para a mãe do jogador. Lá também falou que o clube já não se encontra mais ativo, mas que antes só passou a ter CNPJ a partir de junho de 2019 e que formalizou alguns contratos de trabalho, mas sem registro na CTPS e no e-social. Contudo, garantiu que houve recolhimento do INSS. O empresário disse ainda que, no ano passado, recebeu mensalmente R$ 7,5 mil pela participação do time em uma competição.

Foi concedido ao clube o prazo de até 11 de novembro para que o mesmo juntasse os documentos referentes ao que foi dito na audiência:

  • Demonstração clara e objetiva dos seus trabalhadores, do regime jurídico a que se vincularam, do período de trabalho

  • Recolhimento do INSS dos empregados

  • Exames ocupacionais realizados

  • Controle de atividades dos atletas e do horário de trabalho através de documentação tal como planilhas

  • Comprovante de pagamento dos prêmios

  • Comprovante de pagamento pelo CBCS

  • Notas fiscais de fornecimento de equipamentos para os atletas

  • Notas fiscais dos prestadores de serviço de saúde fornecidos aos atletas

  • Documentação relativa ao brutt durante todo o período em que passou pela Reapers, bem como da transferência para a Imperial


Reprodução/TJ-SP


Já a Imperial foi representada por Felippe Martins e outro sócio da organização Bruno Martins. Na audiência, afirmaram que cinco dos jogadores da equipe possuem contratos de prestação de serviços e um não, sendo este Lincoln “fnx” Lau, não tendo as carteiras de trabalho assinadas e que não foram contratados como jogadores. 

Os executivos da organização disseram também que brutt nunca solicitou qualquer medicamento à Imperial e que sabia que o jogador sofria de dores de cabeça, sinusite e etc, mas não a doença que causou a morte do atleta. Admitiram também que os integrantes do time não fazem exames admissionais e que, por ser prestação de serviço, nenhum realiza exames nem admissionais e nem periódicos. Deixaram claro também que brutt, quando foi contratado, não apresentou nenhuma doença e que não recebeu nenhum relato de incapacidade física no dia em que o jovem disputou uma partida do CBCS com uma toalha nas costas.

Garantiram ainda que no dia 18 de dezembro de 2019 repassaram à mãe de brutt o valor de R$ 5 mil e que em janeiro foi depositado mais R$ 5 mil, além de um bônus pago ao atleta durante o período em que ele vestiu a camisa da Imperial e um auxílio de R$ 850 referente a uma tomografia feita pelo jogador. Também informaram que souberam da morte do jovem pela mídia.

Reprodução / TJ-SP


O MPT concedeu ao clube o prazo de até 14 de dezembro para a Imperial juntar documentos relativos a todos os fatos narrados pela audiência:

  • Contrato da CBCS

  • Contrato com a patrocinadora

  • Controle da atividade dos atletas e do horário de trabalho através de documentação tal como planilhas de novembro até o presente momento

  • Comprovantes de depósito dos honorários da psicóloga

  • Contratos de prestação de serviço com os direitos de imagem

  • Comprovante de pagamento dos prêmios

  • Notas fiscais de fornecimento de equipamentos para os atletas


CONTESTAÇÃO


A Imperial foi a única que fez contestações quanto ao que foi dito pela defesa da família de brutt, sendo apresentado ao Tribunal Regional do Trabalho um documento de 36 páginas e 165 tópicos.

Nela, a organização afirma que a família de brutt apresentou valores aleatórios no requerimento da indenização de R$ 9.480,09 já que afirmou, sem qualquer tipo de prova, que o jogador foi contratado com salário de R$ 2 mil. Classifica ainda as contas apresentadas como exageradas tendo em vista que o vínculo entre atleta e clube foi de 38 dias.

Quanto ao valor pedido pela família de brutt, a Imperial afirma que já efetuou pagamentos superiores - dois depósitos de R$ 5 mil e o outro de R$ 800 -, mencionando que a defesa do jogador “parece esquecer do quanto foi ajudada em todas as suas solicitações, e agora atira para todos os lados em busca de indenizações” e que omite tais recebimentos.

A contestação produzida pela Imperial diz ainda que a defesa da família de brutt produziu pedidos juridicamente impossíveis e que por conta disso o processo deve ser extinto sem resolução do mérito. Duas dessas solicitações, na opinião dos advogados da organização, são a multa de 40% sobre FGTS e a entrega das guias para recebimento do seguro desemprego.

Para os advogados do clube, a família de brutt tenta responsabilizar a Imperial pela morte do jogador e que tal ação beira a má fé, buscando enriquecimento às custas de um falecimento prematuro, na qual não houve qualquer participação do clube, e que os familiares do jogador sabem qual a causa da morte do jovem e se furtam de informar em juízo.

Quanto ao período em que brutt defendeu a Imperial, a organização afirma que adquiriu o jogador da Reapers pelo fato de tal equipe estar se desfazendo, com o jovem “ficando praticamente sozinho”, e por enxergar potencial no jogador. O clube aponta que houve um acordo feito para o atleta jogar eventos pontuais e a participação do mesmo se resumiu a dois jogos.

Reprodução/TJ-SP


A Imperial deixa claro que brutt chegou na gaming house já reclamando de fortes dores de cabeça, suspeitando que se tratava de necessidade de óculos, e quando elas pioraram o atleta “achou melhor” ir para o Rio de Janeiro, onde ficou internado por alguns dias e acabou falecendo, o que significa que o jovem ficou nas dependências do clube só por 23 dias.

De acordo com o clube, o contrato apresentado pela família de brutt na tentativa da mesma de estabelecer um vínculo trabalhista entre o jogador e a organização não existe e que uma das provas disso é o fato do jovem ter realizado lives sem qualquer elo com a Imperial. Por conta disso, os advogados da organização julgam tal ação como má fé.

Na contestação, a defesa da Imperial diz que a família de brutt “se utiliza da máquina Judiciária em busca de um enriquecimento sem causa” e, por isso, deve ser condenada a pagar multa de até 10% sobre o valor da causa e indenizar a organização pelas despesas que efetuou, fora que a conduta dos familiares do jogador deve ser enquadrado no artigo 940 do Código Civil por omitir o recebimento de R$ 10 mil após o falecimento do jovem.

O QUE DIZEM AS PARTES


DRAFT5 entrou em contato com ambas as organizações, mas somente a Reapers não se pronunciou até a publicação desta matéria.

Já a Imperial afirmou que "as pretensas questões trabalhistas que envolvem o atleta, foram discutidas e explicadas pontualmente e de forma clara por parte da empresa, nos autos do processo trabalhista, o qual poderá ser consultado pela redação"

*Para acessar as partes do documento em alta qualidade clique aqui.

*Com a colaboração de Filipe Carbone.
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