Ninguém chega ao topo por acaso. Desde o início da trajetória, até o momento do ápice, uma longa estrada é percorrida. Inúmeros são os desafios enfrentados, diversas são as pedras pelo meio do caminho.
Para Olga "Olga" Rodrigues, a melhor jogadora do Brasil de 2022 eleita pela DRAFT5, não foi diferente. A atleta lutou contra as adversidades, brigou contra a falta de incentivo e derrubou o preconceito, para, finalmente, brilhar no topo.
Não à toa, Olga é uma das jogadoras mais experientes do cenário brasileiro. O primeiro contato da atleta com o Counter-Strike foi em 2004, através de um primo, que na época, jogava competitivamente. Esse foi o início de uma linda história com o jogo.
"Eu não sabia nem andar e nem atirar. Eu fiquei muito tempo jogando só casualmente, somente nas lan houses. Depois, aproximadamente em 2007, meu pai montou um computador e a gente conseguia jogar de casa", conta.
A vontade de levar a brincadeira a sério veio alguns anos depois. Em 2009, a jogadora começou a disputar alguns campeonatos online, porém o sonho foi interrompido com o fim do competitivo do Counter-Strike 1.6
"Eu comecei a jogar alguns mix em 2009 e 2010. Depois, joguei alguns campeonatinhos de internet, só que o cenário já estava morrendo, ninguém focava muito", relatou Olga, que decidiu "abandonar" o jogo com a chegada do Counter-Strike: Global Offensive.
Apesar de ter deixado o Counter-Strike de lado, a paixão de Olga pelo jogo ainda estava ali. Então, em 2014, a jogadora aceitou o convite de alguns amigos para jogar o novo FPS da Valve. Apesar disso, o computador da atleta não era muito bom e ela decidiu fazer uma função mais tática.
"Eu falei pra eles que não conseguiria jogar, que o jogo era muito pesado e que eu não ia conseguir nem atirar. Acabou que eu fiquei como IGL, fazendo um suportezinho. Meu primeiro time foi o GameKing", relata Olga.
Com um pouco de experiência angariada nessa nova fase, a jogadora logo percebeu que tinha um futuro promissor no novo jogo. Após jogar o seu primeiro campeonato, uma liga na Games Academy, Olga sabia que o futuro era próspero.
"Eu percebi que tinha um futuro na competição. Porque nós já estávamos entre os melhores times, mesmo sendo poucos. De doze a gente ficou em sexto. Com um time que a gente tinha acabado de montar", conta a atleta.
Além da GameKing, Olga também acumula passagens por Dai Dai Gaming, Site CS e Remo Brave eSports. Inclusive, este último foi onde a jogadora conquistou seus primeiros dois títulos na carreira: a Liga Profissional Gamers Club: August 2016 e Brasil Game Cup 2016.
A emoção foi ainda maior, pois a BGC 2016 foi disputada presencialmente. Olga descreve a competição como um marco na sua carreira. "A gente chegou na LAN e amassou. Ganhamos da Team oNe, da CNB, times com muita estrutura. Foi meu primeiro título presencial, me marcou muito".
Apesar disso, a promissora carreira de Olga precisou ser interrompida novamente. Sem receber um salário digno de nenhuma das organizações, a atleta fazia malabarismo pelas ruas de São Paulo para ganhar dinheiro.
A dificuldade financeira e questões relacionadas ao gênero da jogadora foram determinantes para Olga decidir pausar sua carreira. "Eu já estava começando a ter umas questões com o meu gênero. Foi quando eu decidi dar uma afastada e parei com o CS. Eu fui morar com umas amigas, eu fui pensar na minha vida. Eu vendi o meu PC pra conseguir dinheiro. Eu pensei até em desistir do jogo", conta.
Como dito anteriormente, Olga sempre foi Olga. Apesar disso, somente em 2018 a jogadora decidiu mostrar isso para o cenário. Inicialmente, Olga começou a fazer sua transição para o cenário feminino sendo treinadora de algumas equipes.
Na sequência, a atleta largou a função para virar jogadora do próprio time que comandava, a Bootkamp Gaming Female. A jogadora afirma que não houve dificuldades em ingressar em um novo e diferente cenário.
"Eu já conhecia muito o cenário feminino porque eu já havia sido coach do próprio time que eu entrei, a Bootkamp, e de um time anterior, que foi a NumberSix. Então eu já estava estudando cada menina. É meio louco, porque quando você é coach você acaba estudando mais do que quando é player. Você acaba conhecendo muito cada jogadora. Eu me senti muito preparada quando entrei".
Lutando contra o preconceito do próprio cenário, Olga foi quebrando a barreira imposta por pessoas intolerantes e preconceituosas. Focando no apoio positivo, a jogadora acabou virando inspiração para muitas outras.
"Eu foquei muito em quem estava me apoiando. Eu aprendi a ignorar. Não ignorar totalmente, porque existem coisas que não deixam de existir. Mas, o foco eu mantive nas coisas boas. Isso me ajudou muito a chegar onde eu estou. Eu percebi que virei inspiração pra muita gente. Hoje em dia existem muitas pessoas trans jogando, que estão em time. É um sonho que está sendo realizado".
Depois da passagem pela Bootkamp, Olga representou a New Eagles Team por um curto período de tempo. Na sequência, foi contratada pela Black Dragons, equipe na qual permaneceu por mais de dois anos.
Em setembro de 2021, Olga foi contratada pela FURIA, organização na qual está até hoje. Os primeiros meses da jogadora na nova equipe foram mágicos. A atleta conquistou três títulos em menos de três meses.
"Foi um grande salto na minha carreira, por questão de desempenho. Estrutura eu sempre tive na Black Dragons, eu era a player que mais tive apoio em tudo. Mas em relação a desempenho foi um salto do caramba. Os títulos falam mais do que qualquer coisa".
A primeira temporada completa de Olga com a FURIA não poderia ser mais perfeita. Ao longo da temporada, foram doze títulos conquistados pela jogadora e por suas companheiras de equipe. Dentre eles, a BGS Esports 2022 Female, a Gamers Club Masters Feminina V e duas edições da Gamers Club Liga Feminina.
Para Olga, esse foi o melhor ano de toda a sua carreira no Counter-Strike. "Essa temporada foi incrível. Definitivamente foi o melhor ano da minha carreira, mas coletivamente também sinto que foi assim para todas".
Além dos campeonatos disputados em território brasileiro, a FURIA também participou de três competições internacionais: ESL Impact League Season 1, ESL Impact Valencia 2022 e ESL Impact League Season 2.
De acordo com Olga, esse fator fez sua equipe ficar ainda mais motivada e, consequentemente, desempenhar melhor. "Acredito que com os mundiais, todo mundo ficou muito mais animada com o jogo e querendo se dedicar 100%. A FURIA, que já era dominante antes de eu entrar, depois disso se tornou o time que só perdeu um campeonato no Brasil".
Nos campeonatos internacionais, a FURIA também mostrou um bom desempenho. Em todos eles, a equipe ficou na segunda posição, sendo definidas, portanto, como o segundo melhor time feminino do mundo.
Mesmo sem nenhum título, Olga descreve a sensação de carregar a bandeira do Brasil pelo mundo. "É uma sensação única. A gente sente a torcida o tempo todo com a gente, principalmente em Dallas, que de fato tinha muita torcida pra nós. Foi nosso primeiro mundial e com tanta gente doida, gritando, pulando e balançando a bandeira. É sempre com essa energia que quero entrar nos jogos presenciais, sabendo que tem uma nação toda vivendo o momento com a gente".
Em 2021 e no início de 2022, muitos rumores tomaram conta do cenário feminino de Counter-Strike. Por conta do baixo investimento na modalidade, muitas atletas migraram para o VALORANT e várias outras também pensaram em seguir o mesmo caminho.
Apesar disso, em 2022, três campeonatos femininos internacionais foram produzidos. Olga destaca a importância disso para a fomentação do cenário, mas faz um pedido para as outras organizações de campeonatos.
"Por mais que só tivemos uma organização fazendo campeonatos, acredito que nunca tivemos três mundiais em um ano no cenário feminino. Então, isso já é incrível. Eu sei que já existem organizações internacionais olhando para as jogadoras aqui do Brasil. Isso só fomenta ainda mais o nosso cenário a crescer e a atrair mais jogadoras e público. Também espero que outras organização se inspirem no que a ESL vem fazendo, assim poderíamos ter mais mundiais em um único ano".
Antes de Olga, a FURIA era dominante. Depois de Olga, a FURIA ficou ainda mais dominante. A jogadora, que tem uma explosão única, misturada com uma habilidade ímpar, saltou da quinta colocação da nossa lista em 2021, para o topo em 2022.
Nessa temporada, Olga foi eleita MVP de cinco campeonatos pela DRAFT5: ESEA Cash Cup Winter #3, ESEA Cash Cup Spring #3, ESEA Cash Cup Summer #2, ESEA Cash Cup Summer #3 e Circuito ELA FAZ O GAME.
Além disso, a jogadora foi EVP em outras quatro competições: ESEA Cash Cup Winter #4, Brasil Game Show 2022, Aorus League Feminina Season 1, Gamers Club Masters Feminina V e Gamers Club Masters Feminina VI.
Para Olga, seu desempenho aumentou justamente após entrar na FURIA, onde a jogadora é cobrada constantemente pelo seu estilo de jogo. "Com certeza esse crescimento se deu após eu entrar na FURIA. Em outros times, a gente não se cobrava tanto, e desde que entrei na FURIA eu sou a jogadora mais criticada, até porque a função que eu faço está sujeita a isso".
No início, a jogadora encontrou dificuldades para lidar com as críticas, mas depois de certo tempo entendeu que suas companheiras só queriam o melhor para ela e para a equipe. "No começo, foi difícil aceitar as criticas sem ficar mal. Mas, depois um tempo, eu entendi que meu time vem fazendo isso pra poder me ver onde estou agora e ir ainda mais longe. Se elas não acreditassem na minha evolução, elas não me criticariam".
Para a próxima temporada, Olga almeja alcançar o topo do mundo. Apesar disso, a jogadora não deixa de manter os pés no chão e acredita que para conquistar seu objetivo, não pode subestimar nenhuma adversária.
"Com certeza, o objetivo é ser campeã mundial. Mas, nunca esquecer que pra chegar lá não podemos pular os degraus. Vamos jogar todo jogo como sempre, round a round, nada está ganho e ninguém pode ser subestimado".
Mesmo sendo eleita melhor jogadora do ano pela DRAFT5, Olga acredita que ainda precisa melhorar e evoluir o seu jogo individual. O foco da atleta é buscar um equilíbrio, para que o seu jogo agressivo seja positivo para a equipe.
"Individualmente falando, eu ainda quero melhorar algumas habilidade minhas. Vou focar muito nesse ano pra ser uma jogadora que consegue usar a liberdade dentro do jogo, pra fazer o que eu gosto, mas também para minimizar os erros individuais quando abuso dessa liberdade. Pretendo encontrar o equilíbrio entre ser uma jogadora agressiva e entender o momento que precisa ser feito pra gente ganhar como um time".
Como de costume, foi perguntado para a jogadora quais atletas ela acredita que vão estar na nossa lista dessa temporada. Olga escolheu três companheiras de equipe: Karina "kaah" Takahashi, Izabella "izaa" Bieberbach e Gabriela "GaBi" Maldonado.