Revés, superação e reconstrução: Counter-Strike mongol, a nova potência da Ásia

Do primórdio regado a desfortúnio ao presente como potência; o caminho da Mongólia ao Major de CS:GO

por / 05 de mai de 2022 - 12:00 / Capa: Arte/DRAFT5

Longe dos servidores europeus, distante de um ping aceitável asiático e com cerca de 24% da população usuária de Internet até 2017. A Mongólia talvez seja o país que teve de lutar mais arduamente durante os anos para chegar ao ápice de ter sua participação no maior torneio de Counter-Strike do ano.

O mega território situado na Ásia Central é o país com a menor densidade populacional do mundo, o que clarifica ainda mais as grandiosas distâncias entre as cidades, evidenciando um problema crônico de infraestrutura que, é óbvio, afeta diretamente a entrega de uma Internet de qualidade no território mongol. Segundo o Banco Mundial, até 2017 apenas 23.71% da população mongol tinha acesso à Internet, tendo um aumento gritante para 62.5% em 2020.

Gráfico mostra o crescimento dos usuários de Internet na Mongólia de 2011 até 2020, dados do Banco Mundial | Reprodução/Statista

Com a chegada dos anos 2000, a população iniciou um êxodo rural determinante para o crescimento da capital Ulan Bator, que hoje abriga quase metade da população do país, ao passo que o número de habitantes cresce mais de 4% ao ano. Tal movimento se acentuou durante a última década, facilitando o acesso da população à Internet, mesmo que essa não seja de grande qualidade.

Entretanto, muito além dos problemas geográficos, a Mongólia também não teve sorte em sua jornada no Counter-Strike e, por conta disso, teve de se superar muitas vezes até alcançar uma reconstrução de sucesso.

2016: A QUASE VAGA NO MAJOR

2016 foi um ano de reestruturação do caminho ao Major, e a Valve até então não possuía uma seletiva regional que levasse a um torneio classificatório final. Assim, resolveu denominar alguns torneios regionais como Minors, os quais davam vaga num grande classificatório mundial. Lá, oito se classificavam, se juntando aos outros oito vindos dos playoffs do último Major.

A IEM Taipei serviria como o primeiro Minor para a Ásia, sistema que se reforçaria nas outras edições. Até aquele ponto, parecia tudo uma bagunça, mas no fim faria sentido e evitaria classificatórios online que até então imperavam principalmente na Ásia.

O então desconhecido The MongolZ viria pelo qualify destinado aos times da Ásia Oriental, onde bateu várias equipes maiores e de países mais desenvolvidos, como a sul-coreana MVP.PK. Contudo, como uma equipe da Mongólia conseguiria disputar com ping aceitável contra adversários mais ao sul? Bootcamp no Vietnã.

The MongolZ durante a IEM Taipei 2016 | Foto: ESL

O que para nossa realidade pareceria algo totalmente absurdo, para o The MongolZ fez todo o sentido. A vaga veio jogando de lan houses no país costeiro e possibilitaria treinos contra equipes da China, Tailândia e Indonésia, todos acima do nível mongol naquele momento.

Porém, um desafio ainda maior estaria reservado em Taipei: cair em um grupo com Renegades e TyLoo. Nesta época, as equipes australianas dominavam a região, muito por conta dos problemas com servidores. Poucas empresas operavam na Ásia, e preferiam a infraestrutura da Oceania, criando um ambiente de treinos muito melhor e formando equipes com mais facilidade.

Porém, o The MongolZ teve muita sorte naquele momento. QuanQing "qz" Wu, irmão do também jogador Hui "DD" Wu, teve seu VAC Ban descoberto horas antes da abertura do evento, fazendo com que a TyLoo fosse desclassificada do torneio.

Com a primeira vitória garantida, a equipe teria a Renegades pela frente e surpreendeu com um 16 x 13 na Cache, chegando na semifinal. Os dois finalistas se classificariam, então o The MongolZ teria pela frente a forte equipe da Chiefs e venceu por 2 a 1, se classificando para a seletiva principal do MLG Columbus 2016.

(ative as legendas do vídeo abaixo)

Além disso, ao chegar na grande final contra a Renegades, os mongóis não tomaram conhecimento e varreram por 2 a 0 com parciais de 16 a 9 e 16 a 2. O título da IEM Taipei rendeu, além de continuar no sonho do Major, vaga na IEM Katowice.

Porém, um grande problema que já era conhecido em todo o continente assolaria o Counter-Strike mongol: problemas de visto.

A equipe deveria ir para Columbus disputar o classificatório para o Major, mas teve muitas dificuldades para conseguir a liberação. A chinesa cyberzen foi chamada para o lugar, mas também enfrentou o mesmo problema, então caiu no colo da australiana Chiefs, mas que nem time tinha mais naquela altura. No fim, a norte-americana Splyce ganhou a vaga de presente. O que aconteceu? A Splyce conseguiu o primeiro lugar do grupo e a vaga no Major.

É impossível afirmarmos que o The MongolZ conseguiria chegar ao maior torneio da categoria, mas num grupo com uma SK dinamarquesa em baixa, uma polonesa Vexed sem grande brilho e uma CLG metódica, existia um mundo, existia um sonho. Por conta disso a decepção foi ainda maior.

A partir desse momento, o Counter-Strike mongol se apagou. Foi possível disputar a IEM Katowice daquele ano, mas a equipe perdeu cinco partidas de mapa único e deu adeus a competição. Aquela era uma das últimas grandes aparição de um time mongol num torneio de grande porte, algo que só aconteceria em 2017 na IEM Oakland.

O "PAI" DO CS:GO MONGOL

Toda a magia mongol passava pelas teclas de Enkhtaivan "Machinegun" Lkhagva, jogador muito explosivo de enorme firepower e que naquele início de 2016 ganharia holofotes de toda a Ásia, se tornando um dos melhores da região.

Machinegun durante a IEM Oakland 2017 | Foto: HLTV.org

O sucesso e os números do jogador foram tão grandiosos que a Splyce resolveu, em setembro de 2016, contratar o jogador. Este, por sua vez, aceitou um grande desafio de cruzar o mundo e fazer parte do cenário norte-americano, mesmo com inúmeros problemas de idioma e adaptabilidade.

A loucura durou pouco tempo. Ainda em dezembro daquele ano, Machinegun retornaria para a Mongólia e para sua casa no The MongolZ. Desde então, o jogador seguiu carreira local, sem grandes brilhos internacionais, e nunca mais teve a chance de chegar perto de um Major.

O MONGOL EXPORTADO

A oportunidade de estudar fora da Mongólia levou Erdenetsogt "erkaSt" Gantulga para lugares inesperados. Quando iniciou sua trajetória ainda em 2016, o jogador nem mesmo imaginava que sua estadia na Austrália conseguiria lhe dar uma carreira profissional no Counter-Strike; mas muito além disso, os quase dois anos de Grayhound destacaram o jogador como um dos melhores do continente.

Em 2019, a equipe conseguiria então a classificação inédita ao IEM Katowice Major. Lá não conseguiu grandes resultados, saindo ainda na primeira fase, mas uma segunda oportunidade no StarLadder Berlin Major 2019 chegaria, e foi no quase, com duas vitórias e três derrotas, também sendo impedido de chegar no Legends Stage.

erkaSt durante o StarLadder Berlin Major 2019 | Foto: Reprodução/HLTV

erkaSt foi o primeiro jogador da Mongólia em um Major da categoria, e muito do sucesso de uma equipe chegar em 2022 se deve a ele, que abriu portas, assim como Machinegun, nos grandes palcos do Counter-Strike mundial.

MONGÓLIA É BRASIL?

Já que estamos falando de Mongólia, existe um fun fact muito interessante sobre o CS:GO de lá. O ano era 2016 e a paiN viajou para Shanghai na China para um campeonato de pouco menos de $100 mil. A equipe iria substituir a também brasileira Luminosity de Vinicios "PKL" Coelho, que teve problema de vistos.

O campeonato foi uma bagunça pra conseguir liberação dos jogadores. João "KILLDREAM" Ferreira e Caio "zqk" Fonseca também tiveram problemas e no fim Felippe "felippe1" Martins (sim, o hoje CEO da Imperial) completou para a equipe. Até aí tudo bem, mas ainda faltava um player, e a paiN encontrou por lá mesmo Temuulen "Zilkenberg" Battulga, AWPer do The MongolZ, que completou para equipe.

União BRASAGÓLIA? Imagem proibida em 150 países. Zilkenberg vestindo a camisa da paiN | Foto: 5ePlay

A equipe conseguiu passar em segundo em um grupo com Heroic e 5POWER, mas caiu na semifinal para a chinesa VG.Cyberzen por 2 a 1. A união Brasagólia terminou ai.

A NOVA GERAÇÃO MONGOL

Com a chegada do VALORANT, o cenário asiático mudou muito. Grandes equipes deixaram de existir e até cenários desapareceram, como o sul-coreano, e é óbvio que grandes lacunas surgiram.

Neste universo de possibilidades e com uma população mais conectada à Internet, a Mongólia começou a formar novamente bons times. Em 2021, a D13, após se destacar localmente, resolveu se mudar para Turquia, onde o ping para servidores europeus era próximo de 40. Com possibilidade de disputar torneios europeus, a equipe cresceu, obteve bons resultados contra tier 2 e 3 da Europa, mas não conseguiu a manutenção da evolução.

Além da D13, Tiger e Mazaalai fizeram parte da nova safra de times, revelando grandes jogadores nos últimos dois anos.

Mas a esperança estava mesmo na Checkmate, equipe que vinha ganhando destaque nos últimos meses de 2021 e que iniciou o 2022 com muita força nos torneios asiáticos, não demorando muito para que um suporte maior chegasse, com a IHC contratando os jogadores em março.

A IHC chegou ao RMR da Ásia-Pacifico tentando espantar a tradicionalidade de Austrália e China e conseguiu sem grandes dificuldades. No primeiro confronto logo teve a poderosa TyLoo, dona de diversas participações em grandes eventos. 2 a 0.

Na partida decisiva, outra grande força da região: a Renegades, que já até foi semifinalista de Major em 2019. Os mongóis venceram por 2 a 0 com parciais de 16 a 10 e 16 a 4. A vitória com tamanha facilidade espantou grande parte do público, que nem mesmo esperava uma classificação da equipe nesta altura, ainda mais numa grande provação em lan, a primeira de grande parte do elenco.

Coincidência ou não, Erdenedalai "maaRaa" Bayanbat era o coach do The MongolZ nas conquistas de 2016 e agora é o coach da IHC.

IHC durante o RMR APAC para o PGL Major Antwerp | Foto: João Ferreira/PGL

O sonho mongol já alçou um patamar inesperado, mas ainda pode mais. O responsável por tentar levar a equipe a uma segunda fase será Tengis "sk0R" Batjargal, a estrela da equipe e que acumula 1.34 de rating 2.0 em 2022. Fato é, todos os jogadores contam com números absurdos até aqui na temporada, evidenciando o domínio que vão tendo localmente na Ásia.

Assim como seu percurso até 2022, o Counter-Strike na Mongólia terá grandes barreiras no PGL Major Antwerp, mas como Gengis Khan, problemas, barreiras e distâncias talvez não sejam o suficiente para segurar o sonho de quem age com ardidez na batalha.

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