Por onde anda: Rafael "pava" Pavanelli

Da tragédia que o levou ao Counter-Strike, pava construiu uma história gloriosa nos esports conseguindo ser imortalizado em três jogos diferentes

por Gabriel Melo / 27 de Mar de 2020 - 20:22 / Capa: Arte/DRAFT5
Counter-Strike, PlayerUnknown's Battlegrounds (PUBG) e World of Warcraft (WoW) são jogos de estilos diferentes mas que possuem algo em comum. Ou melhor, alguém. Trata-se de Rafael “pava” Pavanelli, que em mais de 20 anos no mundo gamer, com maestria, transitou nesses e em outros títulos sempre deixando a própria marca.

Para os que ingressaram no esports recentemente, pava aparenta ser, apenas, um streamer que se dedica ao gênero battle royale e que, às vezes, se arrisca em outros títulos. Mas basta o veterano contar um pouco da própria história, revelando que já foi um MIBR e que é o Azombra do MMORPG da Blizzard, que X.

À DRAFT5 para a série especial Por onde anda, pava reconhece ser privilegiado por um dos jogadores que consegue, em vários jogos, jogar em alto nível: "Eu já sabia que era bom nos games antes mesmo de começar a fazer as streams".

"Quando eu parei pela primeira vez, lá no 1.6, eu comecei a jogar WoW e conquistei coisas que quase ninguém no Brasil conseguiu. Foi nesse momento que percebi que tinha essa facilidade já que sai do FPS para um gênero totalmente diferente. E provei isso novamente indo para o PUBG, no qual joguei um torneio internacional, ganhei minha própria skin e consegui construir a minha vida hoje", afirma. 

Trabalhando há quase três anos naquela que considera a profissão do presente e não mais do futuro, pava garante que está fazendo o que ama. "Me sinto realizado”, aponta.

O COMEÇO DE TUDO

Futebol e skate eram as paixões de pava antes do ex-jogador conhecer o Counter-Strike. O primeiro contato com o FPS, infelizmente, aconteceu por conta de uma tragédia pela qual passou: “Fui atropelado na frente do colégio e fiquei uma semana no hospital. Fiz uma cirurgia para corrigir fraturas no maxilar e no joelho, esta que me impediu de praticar os esportes”.

Foi um amigo o responsável por apresentar o Counter-Strike a pava quando o título ainda não era um jogo em si, mas uma simples modificação do consagrado Half Life. “Antes, meu contato com os jogos estava limitado a FIFA e Tony Hawk’s porque naquela época a minha vontade era simular no videogame o que eu fazia na rua”, explica.

A curiosidade levou pava ao competitivo de Counter-Strike da época. O jogador, como todos, começou no modo casual e, após “ver pessoas com siglas antes do nick”, foi em busca do porquê daquela “moda”. “Perguntei para as pessoas o que era aquilo e fiquei sabendo que se tratavam dos clans. Aí combinei com uns meninos de um clan que conheci e nos encontramos numa lan house aqui do Rio de Janeiro. Foi aí que descobri que existia um competitivo, torneios como a WCG e que uma galera já tinha times”, relembra.

Comecei a conhecer pessoas do bairro que morava e que jogavam para treinar, tentar jogar os campeonatos. Por sorte, o melhor time do Brasil jogava aqui da Barra, o Arena.DBA. Então, foi meio automático de eu conhecer o meio competitivo com meu início no Counter-Strike”, afirma.

Junto com outros importantes nomes do cenário carioca, como Jorge "Jorginho" Elias Junior e Luiz "marc" Marcello Carvalho, pava fundou o RevoltZ. E foi com esta equipe, num torneio disputado em Curitiba, que Pavanelli chamou a atenção de uma das maiores tags do Brasil: MIBR. Mas antes de se tornar integrante do antigo Made in Brazil, o jogador ainda teve rápida passagem por outro time que marcou época na Cidade Maravilhosa, o eXtreme.rj.

O campeonato em questão foi a seletiva brasileira para a edição de verão da extinta CPL. Nesse classificatório, disputado quando as partidas terminavam com 13 rounds conquistados, RevoltZ chegou até a final e nela foi amassada pelo MIBR por 13 a 2 na Dust 2.

A transição para o MIBR aconteceu de forma natural. Mas você olhando de fora, como, por exemplo, a perspectiva da minha mãe, foi diferente. Eu expliquei para ela o que estava acontecendo e ela já estava conhecendo como as coisas funcionavam. Mas ela não tinha noção de onde eu poderia chegar", expõe.

pava na lan house do MIBR no Rio de Janeiro | Foto: Arquivo pessoal


PASSAGEM PELO MIBR

Por mais que já tenha se passado quase 17 anos, pava lembra como se fosse ontem quando foi chamado para integrar o MIBR: “Me chamaram para conversar e saí com a proposta de que ia ganhar dinheiro para jogar ‘joguinho de computador’. Já tinha, inclusive, viagem marcada para disputar torneio internacional e eu nunca tinha saído do país com meus 17 anos”.

Pava conta que assim que recebeu o convite foi contar para a mãe, dizendo que “não ia perder a oportunidade” e ela “abraçou a causa”. O influenciador aproveita para dizer que agradece tudo o que mãe fez por ele no início de carreira “porque se não fosse o apoio dela eu não teria vivido o que vivi e talvez não teria conquistado as coisas que me ajudaram a me tornar streamer”. 

Integrante da primeira leva de jogadores profissionais de esports no Brasil, pava fala que o MIBR não ajudou todos os jogadores romperem o tabu "dos joguinhos" com as respectivas famílias. "O MIBR, em si, esfregou na cara de muita gente que CS não era 'coisa de nerd'. Esse termo, quando usado para denegrir, é muito vazio. Mas o MIBR ajudou nesse sentido e acredito que a minha geração foi muito importante para a de hoje", afirma. 

Sem sombra de dúvida, a ESWC 2006 foi o principal título conquistado pelo MIBR na era 1.6. Mas não foi o único torneio internacional o qual a equipe venceu. Antes deste, pelo menos, o time venceu outros três e com pava presente. A etapa brasileira da CPL disputada em 2005, na opinião do jogador, foi a principal triunfo conquistado por ele na passagem pelo Made in Brazil. 

Nesse torneio, além de grandes equipes nacionais como MIBR e g3nerationX, estavam presente também importantes tags internacionais da época como SK Gaming. No melhor estilo contra tudo e contra todos, como descrito por pava, ele e os companheiros soltaram o grito de campeão após vitória sobre a sueca SSV Lehnitz, que contava com importantes nomes como Abdiwahab "MegatoN" Mohamed (irmão de SpawN). 

"Conquistamos um torneio internacional disputado no Brasil, no Rio de Janeiro, com muita gente torcendo a favor e contra. Inclusive, alguns brasileiros torceram contra nós, contra o "time da casa". Por isso, com certeza, foi o mais importante", aponta o jogador. 

Título este que, na opinião de pava, contribuiu para o título de 2006 porque ele e os companheiros da época mostraram que "era possível ganhar", mas de forma indireta porque "não foi o mesmo elenco". 

O PRIMEIRO /QUIT

A saída em definitivo do MIBR, em 2007, foi primordial para que pava desse a primeira pausa na carreira. "O que me levou a dar o /quit foi começar um projeto do 0 de novo. Eu não tinha mais tesão para começar do 0 e, novamente, subir todos os degraus", resume.

Antes, porém, pava teve a oportunidade de completar para outro importante time carioca, o AUTORHITY ou simplesmente Team.A-. "Eles me chamaram para jogar a KODE5 Brasil 2009 depois de eu já ter parado por um ano. Eu jogava pela internet as vezes, mas sem aquele compromisso. É óbvio que levei o torneio a sério, mas não estava mais naquela rotina de treino e dedicação que sempre levei", explica.

Nesse período fora do Counter-Strike, pava se tentou voltar ao skate e se dedicou a outro jogo, o WoW, no qual conquistou bastante coisa conforme conta. "Não fiz nada de relevante no mundo dos esports, mas me mantive conectado com os games", classifica.

Ao ser questionado sobre as conquistas obtidas no World of Warcraft, pava revela que junto com outros brasileiros conseguiu, por diversas vezes, colocar o país entre os mais rápidos em completar as raids do jogo. Só que lá, Pavanelli não utilizava o nick com o qual ficou conhecido no FPS, e era conhecido como Azombra. 

"A nossa guilda ficava sempre entre as 25 melhores quando se tratava de 'zerar' as raids das expansões o mais rápido possível. Fizemos isso em várias expansões do jogo. Muita gente, quando me vê mexendo no meu personagem, fica impressionada ao saber que eu era o Azombra", conta.

O RETORNO

Pava retornou ao Counter-Strike de forma parecida como conheceu o jogo: por meio de um amigo. “Um amigo que tava jogando CS:GO me chamou na época que o jogo já contava com as skins das armas. Comecei a jogar e vi que estava interessante. O que me apaixonou no jogo foi a mecânica das bombas, totalmente diferente do 1.6. Essa combinação me deixou interessado e reacendeu a chama dentro de mim", conta.

"Foi a mesma história do 1.6, mas por outro caminho", classifica pava.

No CS:GO pava teve a oportunidade de vestir a camisa do primeiro clube de futebol a investir nos esports, o Santos na época em que a agremiação era parceira da Dexterity Team, e também defendeu outra lendária tag da modalidade: g3nerationX. Quanto a isso, o jogador garante que não sentiu a rivalidade existente entre g3x e MIBR porque ainda no 1.6 chegou a fazer parte do time criado por Alexandre "gAuLeS" Borba.

"Joguei um campeonato pelo g3x no 1.6, em 2006. Foi uma etapa da CPL em Dallas, na qual dois membros do time não puderam comparecer por problema com visto e aí chamaram a mim e o eduzin. Foi meu primeiro contato com g3x, mas não como rival e sim como um integrante da equipe. No CS:Go eu não tive nenhum sentimento de rivalidade", garante.

pava defendendo Team oNe na segunda passagem pelo CS | Foto: Felipe Guerra


Mas os melhores momentos vividos por pava na nova versão do jogo aconteceram com o jogador vestindo a dourada camisa da Team oNe, equipe com importância parecida com a do MIBR para a carreira: "Conseguimos conquistar muita coisa aqui no Brasil. Dominamos o cenário por muito tempo e fizemos uma história legal até eu encerrar. Da minha parte, sou muito orgulhoso em relação ao que consegui contribuir para o time e foi muito bom ter participado do início do projeto da T1". 

Na opinião de pava, um dos principais motivos para Team oNe ter ido tão bem naquela época foi o fato da equipe ter ficado numa gaming house: "Morei com o restante da equipe durante uns três meses e nessa época conquistamos muita coisa. Por mais que morar numa GH seja muito ruim em relação a conforto, privacidade e liberdade, esse metódo provou mais uma vez pra mim que o confinamento para o treinamento é importante já que nessa época que moramos juntos o nosso game deu uma guinada absurda e a gente só tava focado em jogar".

A primeira edição da Gamers Club Masters, disputada em 2017, é apontada como pava como a principal conquista obtida junto a Team oNe. "Foi para coroar o caminho", classifica o jogador, que ainda fala sobre a perfomance contra SK Gaming no Legends Challenge. "Por mais que tenhamos perdido, a partida foi muito boa para gente tendo em vista que os caras eram Top 1 do mundo na época e vinham de dois títulos de Major", afirma. 

DESPEDIDA DEFINITIVA

Pouco tempo depois, mas de forma definitiva, pava pela segunda vez se despediu do cenário competitivo. O motivo, novamente, a perda de tesão pelo ato de competir. "Já estava no meu limite de dedicação. O tesão não era mais o mesmo e eu acreditava em ideias que eram destruídas com outras ações. Naquele finalzinho pela T1 eu já não estava tão interessado, sem vontades", explica.

Contudo, se engana quem pensa que pava se arrepende da decisão: “Foi uma das melhores que tomei na vida. Trabalhar de casa, fazendo minha própria carga horária e sem ter aquela cobrança de ter que performar bem. Foi a melhor coisa pra mim". 

Pava revela que antes de escolher se tornar um streamer, pessoas chegaram a lhe sugerir virar narrador ou comentarista, o que não chamou muito atenção "porque eu queria jogar. Eu sei jogar e minha vida sempre foi isso. Eu sei jogar 'joguinhos de PC'. Junto com o kakavel (dono da T1) eu decidi virar streamer e em uma conversa chegamos ao acordo que eu iria continuar na organização mas nessa nova profissão". 

Mas a mudança na carreira de pava não ficou limitada a profissão. Novamente, o carioca deixou de lado o Counter-Strike para se dedicar a um outro jogo, desta vez de um gênero emergente: o battle royale PUBG - no qual, assim como nos anteriores, conseguiu ficar imortalizado ao ganhar as próprias skins. 

Já na fase streamer, pava no estúdio que montou em casa | Foto: Arquivo pessoal


FUTURO

Quando o assunto é futuro, pava logo diz que não é de fazer planos: "Deixo as coisas acontecerem". O carioca afirma que, "no momento eu estou 200% dedicado às streams. Minha dedicação está em me tornar, sempre, um streamer melhor e conseguir melhores coisas para continuar crescendo no meio". 

Uma das vantagens da profissão que decidiu seguir após "pendurar o mouse", aponta pava, é que há renovação sempre quando um novo jogo surge. "Eu funciono a base de jogos. Tendo um jogo novo que me dá tesão, começa tudo do 0. Joguei PUBG por quase três anos, mas de um tempo para cá voltei a jogar CS mais regularmente. Agora saiu o CoD Warzone e eu to vivendo como se forem os primeiros dias de stream. Aquela paixão se recicla", finaliza.
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