Luis "peacemaker" Tadeu é sem dúvidas um dos mais respeitados profissionais do cenário mundial de Counter-Strike. Dono de um currículo verdadeiramente invejável, o treinador de 33 anos vai dando início a um novo capítulo em sua carreira.
Agora sob o banner da Complexity, o coach conversou com a DRAFT5, passando a limpo seus últimos passos, a oportunidade de se juntar ao juggernaut europeu e suas expectativas acerca da escalação.
Sua última empreitada, por sinal, supriu o desejo de longa-data que ele tinha de voltar a trabalhar com uma line-up brasileira: "Eu estava há um tempo parado, desde a minha saída da MAD Lions. Sempre tive uma excelente relação com o SHOOWTiME e com o zqk. Eles iam jogar a IEM Summer, pensei que seria bacana auxiliá-los", relembra.
E apesar da chance de comandar velhos conhecidos, os problemas fora do servidor acabaram assombrando os imperadores, que perderam seu capitão Caio "zqk" Fonseca devido aos problemas de visto.
"Fiquei bastante tempo sem trabalhar com uma equipe brasileira, achei uma boa oportunidade para ver como estava o cenário, a equipe. Eles iam jogar esse campeonato grande, então unimos o útil ao agradável, fechamos essa parceria para eu ajudar eles nesse campeonato. Chegamos a fazer um bootcamp na Sérvia, mas o time deles vinha de diversos problemas extrajogo que afetaram o desempenho deles", conta.
"Não tivemos tempo suficiente para trabalhar. Os treinos foram bons, mas os resultados no torneio não tanto quanto esperávamos. Entramos numa grande reformulação, tentei ajudar eles o máximo possível na escolha dos jogadores. Essa equipe que você vê aí é um time que eu formei junto com a organização, com o felippe1, com o zqk, uma equipe que vejo muito potencial. Tenho certeza de que será um dos melhores times do Brasil. Essa equipe alinha uma juventude e uma experiência que vai ser difícil de bater de frente com eles", pondera.
A grande chance de voltar aos holofotes e grandes palcos do Counter-Strike mundial, contudo, não demorou a aparecer. Sem obter resultados convincentes ao longo da primeira metade do ano, a Complexity recorreu ao experiente treinador, que já havia trabalhado com Benjamin "blameF" Bremer e Patrick "es3tag" Hansen em outros tempos.
"Minha experiência prévia ao lado deles certamente pesou nessa situação da Complexity. Sempre tive uma relação muito boa com ambos. Trabalhei até mais com o es3tag do que com o blameF, passamos por duas gerações da Heroic juntos", evoca.
"O blameF foi meu capitão na Heroic durante um tempo. Tenho uma relação excelente com o Jason Lake, CEO da Complexity. Sempre tivemos contato, existia um namoro de ambos, uma vontade de trabalhar junto um dia. Surgiu essa oportunidade agora que, caso não surgisse, eu continuaria com a Imperial. Alinhando a grandeza do projeto da Complexity ao fato de me reunir com companheiros que tive experiências excelentes juntos, não tive como recusar. Estou bem empolgado", garantiu.
peacemaker não esconde. Em cada uma de suas falas, percebe-se a sede de vitória proporcional à grandiosidade do projeto: "Quando você fala da Complexity, é uma organização gigantesca, que dá todo o aporte para o jogador ter a melhor performance possível. Eles investiram bastante no time, formaram uma equipe de muita qualidade", aponta.
Entretanto, o treinador destaca um problema crônico que vai além do controle da equipe: os desfalques constantes. Da súbita saída de Owen "oBo" Schlatter, à cirurgia emergencial de Valentin "poizon" Vasilev e agora o recesso médico de Kristian "k0nfig" Wienecke. A Complexity não tem vida fácil.
"Em 2020, eles chegaram no top 5 e ganharam alguns campeonatos, evoluíram muito. Com a saída do oBo e a entrada do jks, eles não renderam o que se esperava, caiu bastante de rendimento. Eles sentiram muito pois o oBo tinha uma função dentro do jogo que é difícil de suprir. O poizon também teve de ficar fora da equipe, eles sofreram com várias situações além do controle deles, as quais acabaram prejudicando a equipe", destaca.
*Note que a entrevista foi concedida antes da lesão de k0nfig ser confirmada.
"No meu ponto de vista, continua sendo uma equipe muito forte, com jogadores muito talentosos. As minhas expectativas acerca da equipe com certeza são proporcionais ao investimento e à qualidade que temos. Nossa responsabilidade é de fechar o ano de forma ainda melhor que 2020", aponta.
No papel fica claro: a Complexity não entra em campeonato algum para perder. A troca de William "RUSH" Wierzba por es3tag escancara as ambições de um juggernaut adormecido, que apesar do imenso potencial, ainda tem muito a provar no mais alto nível do Counter-Strike mundial.
"Acredito que o es3tag chega à equipe para somar em vários sentidos. A minha entrada também acredito que vá fazer a line-up trabalhar de uma forma diferente. Sou um coach que costuma ter bastante impacto dentro do time, na forma como o elenco jogo. O blameF está bem aberto a isso. É um processo, mas estou confiante que os títulos virão", assegura.
peacemaker, não à toa, encara as mudanças com naturalidade. Pudera, com 33 anos e boa rodagem, já viveu de tudo pelas equipes que passou. Ele, inclusive, defende que tais situações devem ser trabalhadas como em qualquer outro esporte de alto rendimento.
"A decisão da saída do RUSH, eu não fiz parte dela. A equipe e a organização viram essa mudança como necessária. Creio que isso deva ser bem natural no esport assim como é no futebol, como em qualquer esporte de alto nível. Você tem que render, existe um investimento muito alto sendo feito na equipe. Se não render, é preciso trocar algumas peças para que os resultados venham", explica.
Apesar disso, o brasileiro sabe: não é uma troca que vai transformar a Complexity no melhor time do mundo da noite para o dia. A receita para isso, segundo ele, vai muito além do servidor.
"Estou satisfeito com a troca pelo es3tag. Não creio que seja isso que vá fazer a equipe render 100%, mas sim a forma de trabalhar, os treinos, a mentalidade, os aspectos fora do jogo, a química entre os jogadores, a amizade. Existe todo um processo para tornar uma equipe constante no alto nível. Não basta juntar cinco estrelas e achar que vai render no servidor", analisa.
peacemaker, aliás, sequer teve dedo na contratação daquele que será o terceiro dinamarquês a compor a escalação. "A contratação do es3tag não passou por mim. Apenas ouvi a respeito e fiquei bem satisfeito. Enquanto eu estava negociando, deixei bem claro, tanto pro Jason, quanto pro blameF, que eu confiava bastante nesse jogador. Quando trabalhei com ele, ele não tinha tanta experiência como tem agora", diz em referência aos tempos de Heroic.
"Agora, ele passou pela Cloud9, Astralis... desempenhou diversas funções, é bastante versátil. Qualquer time gostaria de tê-lo. Ele não se importa com estatísticas, ele só se importa em vencer. Muitos estão dispostos a ganhar, mas não estão dispostos a fazer o que é necessário para vencer", crava.
"Em um primeiro momento, o Patrick deve desempenhar algumas funções do RUSH, mas temos algumas ideias sobre ele e o jks, utilizar eles de formas diferentes. Não posso falar muito. O tempo de preparação para a Pro League é escasso, mas para os próximos campeonatos, teremos muita coisa diferente até para surpreender os adversários, usar isso a nosso favor", assinala.
Quando questionado acerca dos jogadores a serem observados de perto pelo público tanto no cenário nacional, quando no internacional, peacemaker aponta o projeto da Imperial como fator preponderante para que ele pudesse redescobrir o Counter-Strike brasileiro.
"Pelo projeto da Imperial, me reaproximei bastante do cenário, estudei muitos jogadores. Um que me chamou atenção foi o JOTA, da Bravos. Ele vem jogando muito bem, com constância. Cheguei a conversar com ele, tem a cabeça muito boa, tem um futuro muito bom. O Tuurtle não é tão novo, mas joga muito bem. O ALLE da Havan Liberty também me surpreendeu pelas demos e jogos que assisti", enumera.
"No cenário internacional, o m0NESY, da NAVI Junior, é muito talentoso. Nos treinos, quando jogávamos contra ele, mostrava ser muito bom. Tende a crescer cada vez mais. Se tiver oportunidade em uma equipe maior, em um time internacional ou CIS, ele vai entregar o que se espera."
"Embora a NAVI seja top 1, o B1T é um jogador que estava fora do radar. Jogou muito bem em Cologne, tende a melhorar cada vez mais e vai ficar cada vez mais confortável dentro do time. Ele faz umas funções não tão fáceis de executar. Com certeza pode surpreender muita gente nesse segundo semestre."
"O Bubzkji seria minha terceira escolha. Voltou à Astralis há pouco tempo, ainda está se acostumando, mas vai ser importante para esse processo de reestruturação da equipe. Já trabalhei com ele, sei do talento que tem", afirma.
Apesar do retorno às LANs não ter sido dos melhores para a Complexity, eliminada precocemente da IEM Cologne 2021 após derrotas diante de duas equipes que alcançariam os playoffs, as fortes G2 e Virtus.pro, peacemaker carrega consigo a esperança de que os presenciais darão uma injeção de ânimo à formação.
"A Complexity é uma equipe que joga muito melhor quando está junta, fazendo bootcamp… Esse é um dos nossos objetivos para o semestre, ficar o maior tempo possível juntos, respeitando as necessidades dos atletas voltarem para casa, claro", indica.
"Isso afetou bastante eles no último ano, especialmente o jks, que ficou um ano longe da Austrália, sem ver família e amigos, vivendo em hotel, mudando toda hora de país, mesma situação do RUSH", relembra.
"Com uma base mais europeia e com o jks mudando-se para a Europa em definitivo, creio que isso vá nos ajudar bastante. Com a volta dos campeonatos em LAN, essa atmosfera, que é a que eu gosto, se Deus quiser, vai nos dar bastante energia", esclarece.
O cenário de Counter-Strike evolui a cada dia. O nível e o equilíbrio entre as equipes nunca esteve tão alto e, para que seja possível alcançar o topo do mundo, uma palavra é ficha um na lista do brasileiro: versatilidade.
"Os times hoje em dia se estudam muito, há diversas ferramentas para isso. Você tem que estar em constante renovação. Sempre foquei nisso nas minhas equipes: a versatilidade", diz em relação à preparação para a ESL Pro League S14.
"Como eu já disse antes, essa Pro League não será fácil. Não vamos ter muito tempo para nos prepararmos, mas temos o fator surpresa a nosso favor. Ninguém sabe como viemos para o torneio", enfatiza.
"Creio que para os próximos campeonatos nossas ideias e mudanças poderão ser notadas. A Complexity tem uns três ou quatro mapas que joga bem, mas não é um time com um grande map pool. Queremos manter o que temos de bom e trazer coisas novas também", finaliza.
Mesmo sem uma de suas principais estrelas, a Complexity vai à luta pela ESL Pro League S14 a partir do próximo sábado (21), quando encara a russa forZe na rodada inaugural do Grupo B, o qual ainda conta com G2, OG, Virtus.pro e SINNERS.