Em uma extensa entrevista concedida ao site especializado
HLTV.org, Mihail "
Dosia" Stolyarov conversou com Alexey "
OverDrive" Birukov sobre os mais diversos tópicos, desde sua vitoriosa passagem pela
Gambit campeã de Major, passando por sua vida dentro e fora do servidor.
O jogador de 32 anos está atualmente livre no mercado após não obter êxito em sua
passagem pela Mustang Crew, organização a qual ajudou a criar. Além disso,
o jogador chegou a assinar com a chinesa OneThree no começo do ano, mas com os iminentes riscos relacionados ao coronavírus, a empreitada acabou indo por água a baixo.
Questionado sobre as limitações impostas pela idade em um cenário que está em uma constante renovação, Dosia mostrou-se otimista: "
Eu jogo FPL e, particularmente, não sinto que estou perdendo a forma, ainda mais contando com o fato de que eu não tenho treinado e não joguei competitivamente na Mustang Crew, visto que não enfrentamos grandes oponentes. Se minha saúde permitir, eu gostaria de jogar até os 40", revela.
LONGE DOS HOLOFOTES
O experiente jogador acumula passagens por algumas das mais consagradas equipes de sua região, tendo representado
Virtus.pro,
Astana Dragons,
HellRaisers e
Gambit, testemunhando o crescimento do salário dos jogadores de Counter-Strike ao longo dos anos.
"
Na Virtus.pro, recebíamos $300. A Astana Dragons ofereceu $1 mil e a HellRaisers pagava o mesmo. Meu primeiro salário na Gambit era de $2 mil. Depois de renovarmos, quase que dobrou. Depois, era diretamente atrelado aos nossos resultados. Quanto estivemos no top5 por alguns meses, ganhávamos mais de $10 mil. Na China, nos ofereceram boas condições, mas é claro que era bem menos que $10 mil", conta.
Dosia fez parte da VP que quebrou a lendária série de 87 mapas invictos por parte da Ninjas in Pyjamas | Foto: HLTV.org
X-GOD
O nickname é a identidade única de cada jogador. Ao lado de sua alcunha dentro do jogo, o russo carrega o simbólico título de "X-God", conforme conta de forma muito bem humorada:
"
Inicialmente, meu nick era Dosa. Não lembro de onde surgiu. Provavelmente eu era uma criança vendo com qual nickname eu mais matava. Dosa não era fácil de pronunciar, não desenrolava, então, todos me chamava de Dosia, então eu logo adotei o apelido."
"
Em algum lugar nos fóruns da HLTV.org, as pessoas começaram a votar em quem merecia o título de deus do sexo. Dentre os candidatos, estavam flusha, JW e outros jogadores de alto calibre. Eu venci. O groove (CEO da Gambit) achou que era uma ideia legal criar um vídeo viral e agora eu sou o deus do sexo", relembra.
Mesmo longe do alto nível de competição, Dosia ainda vê de longe o sucesso de alguns de seus ex-companheiros, ainda pensando em um retorno e apontando onde gostaria de jogar:
"
Eu geralmente assisto times onde meus amigos jogam, ou times onde meus ex-companheiros jogam. Atualmente, eu diria que vejo a Syman e a Virtus.pro. Eu gostaria de jogar nos Estados Unidos. Recentemente, fiz um teste de inglês e meu nível é pré-intermediário. Eu fui procurado por uma organização de tier 2-3 dos EUA", conta.
TIME DOS SONHOS
O russo não esconde seu carinho pelo amigo e ex-companheiro de equipe Dauren "
AdreN" Kystaubayev, nomeando-o inclusive para um de seus dois times dos sonhos: "
Eu adorava dividir os bombs com o AdreN. Ele sempre me ajudou, era intuitivo e me entendia, se adaptando ao meu jogo. Um time dos sonhos, se falarmos do CIS, seria a Gambit com a qual vencemos o Major."
Colocando-se ao lado de verdadeiras lendas do CS:GO, Dosia elegeu dois dos mais consagrados brasileiros para seu time dos sonhos: "
O time seria NEO, coldzera, FalleN e olofmeister", designa.
Dois dos melhores brasileiros da história do Counter-Strike compõem o time dos sonhos de Dosia | Foto: HLTV.org
CONTO DE FADAS
Foi no longínquo ano de 2013 que o russo acabou por deixar a
Virtus.pro. Os tempos eram outros, os salários não eram tão competitivos. Seu destino seria a
Astana Dragons, que logo deu lugar ao banner da
HellRaisers. Tudo terminaria naquela que seria o lar de um verdadeiro conto de fadas, a
Gambit campeã de Major em 2017.
"
(Na VP) Não tínhamos um bom suporte, considerando que éramos top3 no mundo. Pedimos melhores condições, mas eles negaram, então começamos a buscar uma nova casa. (...) Depois que meu contrato com a HellRaisers expirou, eu simplesmente saí. Depois de alguns meses, AdreN e mou também deixaram a equipe."
"
Nós cooperamos para achar uma organização. Chegamos ao groove, CEO da Gambit, e juntos fechamos uma line para começar a jogar. Nos faltava habilidade naquela line e, mesmo assim, naquela primeira versão da equipe, já era aparente que estávamos perto do tier um", relembra.
Talvez o mais importante capítulo do conto de fadas protagonizado pela
Gambit foi a chegada do veterano Danylo "
Zeus" Teslenko, que deixara a
Natus Vincere após sete anos de casa: "
Foi como se a nossa consciência tivesse aumentado. Não começamos a jogar melhor, mas imediatamente melhoramos do ponto de vista psicológico."
A entrada de Zeus na Gambit traria melhora imediata ao time | Foto: Adela Sznajder/DreamHack
"
Zeus tem o poder de dizer algo e aquilo simplesmente funcionar. Ele pode dizer algo que você discorda, mas funciona. Eu não consigo explicar isso. Nós apenas confiamos nele e fizemos o que ele nos disse para fazermos."
Apesar de todo o glamour de vencer um Major da forma que foi, vencendo equipes como
G2,
fnatic,
Astralis e
Immortals, Dosia conta que a
Gambit quase sempre foi uma bomba relógio prestes a explodir: "
Antes do Major, nossos contratos estavam expirando. Só renovaríamos se nossas condições fossem impostas."
"
No fim, aceitamos novos termos com a Gambit e renovamos com eles. Treinamos para o Major por mais ou menos uma semana, não posso dizer que estávamos realmente focados nos treinos, visto que treinamos mais individualmente. Não sei o que aconteceu (no Major), talvez seja porque não nos esgotamos nos treinos e tínhamos muita energia quando chegamos no campeonato."
Da desconfiança à consagração. Como explicar a vitória da Gambit em Kraków? | Foto: HLTV.org
"
Tivemos alguns problemas com computadores no bootcamp, com a internet e o FPS. No Major, nos sentíamos confortáveis usando aqueles PCs, ao contrário dos outros times. No geral, estávamos super relaxados, quase como se estivéssemos de férias. Até alugamos um carro para dirigir pela área nos fins de tarde", revela.
Mas os azarões do torneio também sentiram que a ficha demorou para cair. Foi só nas semifinais, quando desbancaram a então atual campeã do Major, que Dosia viu o real potencial do time: "
Quando vencemos a Astralis, senti que poderíamos ganhar o Major. Antes daquela vitória, eu não tinha aquele sentimento."
Talvez um dos momentos mais icônicos dos Majors de Counter-Strike, a HE jogada por Dosia em dois de seus adversários que tentavam salvar seus armamentos na areia da Inferno. Tal lance rendeu-lhe até um grafite no mapa, apesar de ter sido espontâneo: "
É estranho que eu estivesse vivo naquele round, visto que eu estava segurando areia e foi exatamente por lá que eles atacaram"
"
Naquele momento, meus companheiros me falaram que eu ainda tinha uma granada e, felizmente, eu tive aquela ideia e a executei. Foi improvisado", garante.
QUEDA LIVRE
Apesar do triunfo em Kraków, o sonho da
Gambit não demoraria a terminar. Desavenças internas acabariam forçando a saída de Zeus da escalação e todo o trabalho da equipe acabaria indo, pouco a pouco, por água a baixo: "
Todos no time, tirando o Zeus, não viam serventia em nosso treinador. Então, decidimos tirá-lo. Zeus deixou claro que ou o Kane (coach), ficava, ou os dois iam embora."
"
É possível que naquele momento, o sucesso subiu à nossa cabeça, já que desfazer aquele elenco era um erro. Mas a questão: de quem era o erro? O Zeus poderia ter ficado, e nós até esperamos que ele reconsiderasse". No fim das contas, tanto Zeus, quanto Mykhailo "
kane" Blagin, acabaram rumando à
Natus Vincere poucas semanas após a inimaginável conquista na Polônia.
No final das contas, o 2017 da
Gambit terminaria bem longe dos holofotes voltados a uma campeã de Major. O 2018 seria repleto de insucessos e derrotas amargas, que levariam a equipe novamente à disputa do Minor, dessa vez, na tentativa de retornar ao
Major de Katowice, já em 2019.
Já longe do glamour, Gambit falharia miseravelmente em retornar à disputa de um Major | Foto: HLTV.org
A campanha seria medíocre, e a equipe acabaria sucumbindo na quarta colocação do
Minor CIS, ficando de fora até mesmo da
Repescagem: "
É difícil dizer o que aconteceu. Estávamos procurando desesperadamente por um capitão, tentando todo e qualquer cenário possível. Todos no time tentaram dar as calls, mas tudo rumou ao Sul e não conseguimos evitar o declínio", lamenta.
BECO SEM SAÍDA
A gota d'água para um time que não vivia nem de perto as glórias de tempos passados foi o desacordo entre as partes para uma eventual renovação: "
Nossos contratos estavam expirando e a organização ofereceu a renovação. Uns aceitaram, outros não. Hobbit foi para a HellRaisers, AdreN fechou com a FaZe. Era um beco sem saída a partir dali", relembra.
Depois disso, criou-se um hiato na carreira de Dosia: "
Eu estava sob contrato e ninguém queria comprar meu passe". Mas nem só das más lembranças vive aquela Gambit, como o próprio Dosia recapitula: "
Minha vitória favorita foi na série contra a Astralis no Major. Eu fiquei mais feliz com aquela vitória do que em vencer o torneio. Eu estava feliz só de disputar aquela partida."
Ao lembrar da mais amarga derrota de sua carreira, o veterano reascende a polêmica em torno de Hovik "
KQLY" Tovmassian, banido tempos depois por uso de cheats, por quem foi derrotado nas semis da
ESWC 2013: "
A derrota mais amarga foi na ESWC, quando eu estava na Astana Dragons e acabamos perdendo para um cheater chamado KQLY", finaliza Dosia.