OneTap: O amadorismo de um Colosso
Em um período de incertezas, Cloud9 queima dinheiro em aposta errônea
por Lucas Benvegnú
28 de Mar de 2021 - 14:30Compartilhe:

Alguns meses atrás, o mesmo autor que vos fala escrevera um texto sobre uma gigante adormecida. Uma empreitada ousada, que almejava recolocar a Cloud9 entre as grandes potências do Counter-Strike mundial.

Imagine você, caro amigo leitor, que não estou exagerando, dado o fato de que a organização carrega consigo o feito de ter sido lar da única equipe norte-americana campeã de Major. Feito que nem a implacável Team Liquid do primeiro semestre de 2019, aquela que conquistou o Intel Grand Slam S2 e levou para casa $1 milhão em barras de ouro no tempo recorde de apenas 63 dias, conseguiu.

O PRELÚDIO DA DESGRAÇA

Tal empreitada custaria uma pequena fortuna aos cofres da renomada organização. Apesar do cenário de crise e de toda a austeridade econômica, dinheiro não parecia ser problema para a montagem do autoproclamado Colosso, a qual foi comandada pelo ex-narrador Henry "HenryG" Greer e pelo treinador Aleksandar "kassad" Trifunović, com trabalhos notáveis por Renegades, 100 Thieves e mousesports.

O britânico HenryG foi escolhido como um dos responsáveis por montar o Colosso | Foto: Adela Sznajder/DreamHackO britânico HenryG foi escolhido como um dos responsáveis por montar o Colosso | Foto: Adela Sznajder/DreamHack

"A Cloud9 confiou em mim com toda a história que possuem no jogo e, sinceramente, eu acho que este é um dos movimentos mais ousados de uma organização nos últimos tempos'', disse HenryG em sua apresentação oficial como Manager da organização.

A MONTAGEM DO COLOSSO

Dois dias após apresentar a estafe de seu Colosso, a Cloud9 tornou-se protagonista de uma das maiores manobras de marketing da história do Counter-Strike. A organização não só tirou o cobiçado Alex "ALEX" McMeekin da francesa Vitality, como também inovou ao divulgar o montante pago por cada peça de seu quebra-cabeça.

Cloud9 gastou mais de $1.1 milhão em multas rescisórias para montar sua nova line-up | Foto: Divulgação/Cloud9Cloud9 gastou mais de $1.1 milhão em multas rescisórias para montar sua nova line-up | Foto: Divulgação/Cloud9

Aos que se interessarem a saber detalhadamente o valor pago por cada jogador, produzi um texto especial sobre o assunto ainda em novembro. Aqui faremos apenas um resumo da ópera.

Enquanto ALEX custou aos cofres do Colosso cerca de $250 mil, William "mezii" Merriman veio da GamerLegion por modestos $83 mil. Foram necessários quase $300 mil para tirar Özgür "woxic" Eker da mousesports. Ricky "floppy" Kemery foi o caso mais fácil de ser resolvido, dado o fato de que já estava na organização. Vindo da gigante Astralis, Patrick "es3tag" Hansen era - de longe - a mais badalada contratação, custando sonoros $500 mil e cravand o desejo da Cloud9 de brigar pelo topo.

Heroic conseguiu resultados infinitamente melhores com pouco mais de 30% da folha salarial da Cloud9 | Foto: EPICENTERHeroic conseguiu resultados infinitamente melhores com pouco mais de 30% da folha salarial da Cloud9 | Foto: EPICENTER

Levando em consideração apenas os salários dos cinco jogadores e ignorando completamente a estafe e custos operacionais como acomodação, alimentação, descolamento e outros tantos fatores, a equipe tinha uma folha de aproximadamente $135 mil mensais. A nível de comparação, equipes como Heroic - campeã da ESL One Cologne 2020 - e MAD Lions - campeã da Flashpoint S1 - desembolsavam cerca $40 mil mensais para o pagamento de seus atletas, menos de um terço da Cloud9.

OS RESULTADOS NEUTROS

Com pouco mais de duas semanas para treinar com es3tag, a equipe foi à disputa da Flashpoint 2, onde encarou duas pedreiras e sequer conseguiu passar da fase de grupos, sendo eliminada após derrotas para Virtus.pro e OG, eventuais finalistas do torneio de $1 milhão.

Na BLAST Premier: Fall Showdown 2020, a line-up liderada por ALEX bateria na trave na luta por uma vaga nas finais da competição, campanha esta que foi sucedida pela ida aos playoffs da DreamHack Masters Winter 2020. No fechamento do ano, derrota para a forZe nas semis da Nine to Five #7.

Por problemas off-game, woxic foi o primeiro a ser cortado da equipe | Foto: EPICENTERPor problemas off-game, woxic foi o primeiro a ser cortado da equipe | Foto: EPICENTER

Mas, antes de virar a página de seu calendário para 2021, a organização se despediu do treinador kassad, dando indícios de que algo não ia bem por lá. Já em janeiro, os rumores acerca de uma possível saída de woxic começaram a circular, provando-se verídicos pouco tempo depois, com a rescisão do atleta sendo oficializada. Eram $296 mil jogados fora.

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Para suprir tais baixas, a organização trouxe Erick "Xeppaa" Bach, ex-Chaos, para o posto de quinto elemento, e Chris "Elmapuddy" Tebbit, ex-Gen.G para assumir o comando técnico da equipe. Sem um sniper de ofício, o capitão ALEX tomou para si a responsabilidade de empunhar o rifle de precisão.

Sem AWPer primário, ALEX tentou desempenhar tal função: sem sucesso | Foto: Reprodução/1pv.frSem AWPer primário, ALEX tentou desempenhar tal função: sem sucesso | Foto: Reprodução/1pv.fr

Alcançando os playoffs da cs_summit 7 - com certo sofrimento, é verdade - a equipe parecia estar no caminho certo, mas a tentativa frustrada de garantir vaga na etapa principal da IEM Katowice 2021 foi um verdadeiro baque para a Cloud9. es3tag então assumiu o posto de AWPer, função que já havia desempenhado durante os tempos da Heroic, mas a miséria perduraria pelo lado europeu, que ainda foi eliminado da seletiva para a DreamHack Masters Spring para o patinho feio, VOYVODA.

A ESL Pro League S13 era a chance da redenção para a equipe, que caiu em um grupo consideravelmente forte, o qual contava com o trio brasileiro composto por MIBR, FURIA e Team One, além das russas Natus Vincere e Gambit. Após vencer a Team One e atropelar a FURIA, os europeus dependiam apenas de si para avançarem aos playoffs: vitória por qualquer placar sobre o MIBR os colocaria na próxima fase.

Cloud9 redefiniu o conceito de auto sabotagem | Foto: HLTV.orgCloud9 redefiniu o conceito de auto sabotagem | Foto: HLTV.org

Ali morava o problema. Jogando contra um MIBR já sem chances de classificação, a equipe teve dificuldades para impor seu ritmo de jogo e, apesar de protagonizar dois mapas extremamente apertados contra os brasileiros, ALEX e suas tropas acabariam sendo derrotados e, consequentemente, eliminados precocemente da competição de $750 mil.

O AMADORISMO

Impaciência. Este foi o primeiro erro da Cloud9. Montar um elenco com cinco atletas de países e culturas diferentes, que nunca atuaram juntos, esperando que da noite para o dia os resultados comecem a florescer é - no mínimo - utópico.

Ao todo, mais de $1.1 milhão foi investido em multas rescisórias durante o processo de montagem do dito Colosso, valor que giraria entorno dos R$6 milhões na cotação daquele momento. No cenário atual de pandemia, é quase inimaginável ver uma organização investindo esse sonoro montante em qualquer esport.

Quem seria louco de investir $1.1 milhão em um momento como esse? | Foto: Stephanie Lindgren/DreamHackQuem seria louco de investir $1.1 milhão em um momento como esse? | Foto: Stephanie Lindgren/DreamHack

A Cloud9 o fez. Com muita convicção, é verdade, mas de forma bastante inconsequente também. Foi falta de planejamento. O mundo inteiro vai passando por um cenário de crise. Em um momento onde as organizações não podem se dar ao luxo de gastarem seu dinheiro erroneamente, a Cloud9 veio encostando os cavalos. A conta, é claro, chegou.

Outros caminhos mais prudentes poderiam ter sido adotados pela organização. A ENCE, por exemplo, se reconstruiu, fazendo o bom uso do que tinha em casa e trazendo outros três reforços que estavam livres no mercado. Vem dando resultado.

Mesmo após um turbulento 2020, ENCE se reconstruiu e vem mostrando solidez até mesmo em alto nível | Foto: Divulgação/ENCEMesmo após um turbulento 2020, ENCE se reconstruiu e vem mostrando solidez até mesmo em alto nível | Foto: Divulgação/ENCE

Copenhagen Flames e HAVU, conhecidas do segundo escalão europeu, se reinventaram com escalações jovens que vão crescendo pouco a pouco e conquistando seu espaço entre as grandes. Mirando resultados a curto prazo, a FunPlus Phoenix adquiriu o elenco ex-GODSENT de Martin "STYKO" Styk e companhia, já obtendo alguns êxitos em curto prazo.

E OS JOGADORES?

Ainda atrelados contratualmente à Cloud9, os cinco atletas buscam agora novas casas para tentarem reencontrar seu melhor Counter-Strike. Baseando-se apenas na minha humilde opinião, os norte-americanos Xeppaa e floppy deverão ter algum mercado no VALORANT, enquanto es3tag tem grandes chances de retornar à Astralis, especialmente com Andreas "Xyp9x" Højsleth.

Após contratar es3tag sem custos, Astralis vendeu-o à Cloud9 por meio milhão de dólares. Stonks. | Foto: Divulgação/AstralisApós contratar es3tag sem custos, Astralis vendeu-o à Cloud9 por meio milhão de dólares. Stonks. | Foto: Divulgação/Astralis

Sem tempo para mostrar o mesmo nível de jogo que o colocou no radar da Cloud9, é difícil imaginar aonde mezii irá parar. Com os recentes fracassos da mousesports após a saída de Finn "karrigan" Andersen, ALEX poderia tentar algo junto aos ratos europeus, mesmo sendo subestimado por seu período junto à Vitality do gênio Mathieu "ZywOo" Herbaut.

Creio que essa será uma empreitada da qual nos lembraremos por muito tempo. Uma organização que viveu seus tempos áureos como campeã de Major, mas que conseguiu manchar sua história com uma line-up que viveu de hype e se tornou uma das maiores decepções e um dos maiores fiascos da história do Counter-Strike.

*as opiniões expressas nesse texto não refletem as opiniões das empresas DRAFT5 e Gamers Club
PUBLICADO POR:Lucas Benvegnú18 anos, estudante de Direito.@LucasBenvegnu

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